Ana desenvolveu um currículo educacional para creches que podem transformar os cuidados de custódia em valiosas situações educacionais e sociais para crianças em idade pré-escolar. Ana planeja passar os próximos dois anos aplicando esse currículo em 10 creches da cidade de São Paulo e escrevendo panfletos "como fazer".
Ana, uma de 14 filhos, diz pertencer a uma família de educadores. Vários de seus irmãos são professores. Ana começou sua experiência educacional em uma pré-escola fundada por uma de suas irmãs. A mãe de Ana era governanta em uma escola para deficientes. Ana passou a adolescência morando na instituição. Ajudava na organização de festas e ganhava mesada trabalhando na oficina de quintal que fazia brinquedos educativos para as crianças do instituto. Ana lembra que ficou fascinada por estes objetos. Há vários anos, Ana trabalha em uma creche onde pôde aplicar e testar sua prática educativa e que se tornou conhecida como uma casa modelo.
As teorias modernas de desenvolvimento e educação infantil estabeleceram que, desde o momento do nascimento, os indivíduos são seres sociais que, quando estimulados, podem interagir e de fato interagem com o meio ambiente. Com base nessas premissas, que refutam a crença antiga de que crianças muito pequenas interagem apenas individualmente, geralmente com a mãe ou substituta, Ana projetou um sistema de situações que criam oportunidades de interação, transformando creches em valiosos ambientes educacionais para crianças de até três anos. O princípio básico no trabalho é que as crianças aprendem por meio da imitação e da brincadeira. O currículo de Ana trabalha com três elementos: arranjos espaciais, objetos e a atitude do cuidador, todos voltados para o estímulo ao brincar e à imitação. A atitude dos cuidadores é fundamental para fazer este trabalho. Ana sente que não se pode esperar que cuidadores, especialmente em creches públicas ou comunitárias, tenham ou adquiram a base teórica necessária à compreensão do currículo. No entanto, alguns fatos e teorias simples podem ser transmitidos. Além disso, a simples aplicação do currículo em si produz dividendos; como os bebês se divertem em grande parte, os cuidadores têm mais tempo para as tarefas necessárias e mais energia para intervir quando necessário. O currículo ajuda a criar ambientes mutuamente gratificantes.
Na Europa, onde as creches surgiram durante a Segunda Guerra Mundial, elas (e as teorias de cuidado associadas a elas) vêm se desenvolvendo há 40 anos em sintonia com a história do pós-guerra. Hoje, a Itália e a França são os líderes na educação de creches. Nessas e em outras nações do primeiro mundo, as creches e a parafernália são altamente especializadas e constituem uma parte bem estruturada e amplamente disponível da educação. As creches brasileiras não passaram pelo mesmo desenvolvimento histórico. As creches surgiram, lentamente no início e depois com ímpeto crescente, com a entrada das mulheres no mercado de trabalho há cerca de 20 anos. No início, esses centros eram creches comunitárias, filantrópicas ou religiosas que atendiam às necessidades da classe trabalhadora. Nos últimos 10 anos, redes municipais e creches privadas também foram estabelecidas. No entanto, na ausência de experiência e conhecimento local, todos esses centros foram modelados em instituições existentes, ou seja, instituições de saúde ou orfanatos. O resultado foi que o foco principal das creches tem sido a alimentação e o cuidado das crianças . Ana e seu grupo realizaram uma pesquisa em 35 creches e constataram que das oito horas que as crianças passam nessas instituições, quatro ficavam esperando para serem alimentadas, lavadas ou trocadas. Mesmo em centros onde a proporção de adultos para crianças era baixa, a rotina significava que as crianças ainda passavam longos períodos simplesmente esperando. O currículo de Ana, que na verdade gira o foco das creches em torno do uso de recursos já disponíveis nessas instituições, é uma forma simples e barata de transformar as creches em ambientes educacionais.
A estratégia de Ana é simples. Primeiramente, ela estará produzindo uma série de manuais "como fazer" dirigidos a cuidadores e administradores de creches para distribuição em diversos municípios do Estado de São Paulo. Elas delineiam o currículo, que funciona da seguinte forma: um enfoca as crianças na fase de creche (até um ano e meio), e um enfoca as crianças entre 18 meses e três anos. Na creche, as crianças são organizadas em grupos de seis idades. A grande creche é dividida em pequenos ambientes, um para cada grupo. Esses ambientes são demarcados com materiais simples (papelão, caixas, etc.). A ideia é limitar a interação ao que ocorre dentro dos grupos, permitindo ao zelador supervisionar mais de um grupo. A cada semana, os arranjos ou formas espaciais são alterados; os quartos são encurralados ou os ambientes em forma de U e F são projetados. Além disso, a cada semana, os objetos do jogo são alterados. Em vez de haver muitos objetos diferentes distribuídos entre todas as crianças, alguns objetos específicos são distribuídos em número suficiente: bolas e chocalhos em uma semana, blocos e bonecos na próxima e assim por diante. Os resultados são crianças de idades ligeiramente diferentes interagindo em grupos, afastando os brinquedos umas das outras, chupando o brinquedo de outra e imitando umas às outras, etc. Com as crianças assim entretidas, o cuidador não pode apenas supervisionar e intervir quando necessário, mas pode continuar com tarefas como troca de fraldas, banhos, preparação de mamadeiras, etc., que tomam uma quantidade enorme de tempo. O currículo para crianças de um ano e meio a três anos é baseado no mesmo princípio de imitação e jogo, mas é adaptado para atender a maior mobilidade do jovem e requisitos mais sofisticados. Os arranjos espaciais nesta fase são mais estruturados; quando possível, salas totalmente separadas são usadas. São quatro salas: uma sala de faz-de-conta, uma biblioteca, uma sala de arte e um "laboratório" (na verdade, um espaço imediatamente fora das salas onde as crianças trabalham com areia, água e plantas, etc.). Nesta fase, o brincar imitativo das crianças transforma-se em representação e as situações espaciais proporcionam isso. Mais uma vez, as crianças são agrupadas, agora em grupos maiores de oito, à medida que aprendem a interagir com mais indivíduos. Em segundo lugar, ela estará mudando os ambientes de 10 creches da cidade de São Paulo. Ela vai atuar diretamente na formação dos cuidadores e na produção de materiais de trabalho. Como o estado de São Paulo criou uma rede de creches em vários municípios, ela é vista como modelo. Ana espera mudar os sistemas de todas as redes municipais de creches paulistas e, com isso, efetuar mudanças em âmbito nacional.