O consultor de planejamento Raul Jungmann está lidando com nada menos do que todo o sistema de justiça e segurança do Brasil, trabalhando para reformar suas instituições arcaicas por meio da participação popular.
Raul começou a carreira de analisar estruturas de poder e influenciar questões públicas durante seus dias de ativismo estudantil em São Paulo no início de 1970. Desde então, fez carreira assessorando os setores de indústria e educação do Brasil, tanto como consultor independente quanto como um funcionário do governo. Trabalhar dentro do governo deu a Raul uma visão de como o setor público funciona ou deixa de funcionar. Durante esses anos, ele organizou diversos seminários, analisou modelos organizacionais de ONGs, escreveu um livro avaliando o mandato de um ex-governador e publicou artigos em jornais sobre questões nacionais e internacionais. Uma das inovações de Raul nesses anos foi o programa “Adote uma Escola”, em que empresas patrocinavam a construção de novas escolas. Como um de seus vários efeitos colaterais benéficos, a ênfase do programa na participação da comunidade reduziu as taxas de evasão escolar em Recife, Salvador, São Paulo e outras cidades onde opera.
Raul acredita que democratizar o débil sistema de justiça e segurança do Brasil é a única chance de salvá-lo. Uma força policial desacreditada e tribunais sobrecarregados fizeram com que os cidadãos desconfiassem do sistema. Envolver as pessoas na reforma do sistema oferece um desafio estimulante, mas também uma oportunidade para grupos de base, grandes organizações não-governamentais (ONGs) e governos locais pressionarem juntos pelo controle dos cidadãos sobre os órgãos supostamente criados para garantir a segurança pública. À medida que os cidadãos ficam cientes de quem é responsável por fazer cumprir quais leis, e cientes de seus próprios direitos sob a lei, eles podem criar agências públicas responsáveis por protegê-los. O cidadão, segundo Raul, também deve ter uma participação mais ativa na prevenção ao crime. A substituição da polícia estadual centralizada por forças policiais locais responsivas pode ser um resultado de uma maior conscientização pública sobre as questões de segurança. Como a mídia recentemente libertada da censura expõe decadência, violência e corrupção dentro do sistema, os cidadãos têm a chance de reconhecer a desintegração do sistema e exigir uma parte na formação de um que sirva ao povo, em vez de intimidá-lo e oprimi-lo. No Brasil, e em grande parte da América Latina, este é um momento histórico importante.
Um sinal chocante da deterioração do moral e da credibilidade da polícia veio em 1989, quando o então governador Amazonino Mendes, do estado do Amazonas, dissolveu a polícia civil daquele estado e criou uma nova polícia unificada, dizendo que os cidadãos tinham mais medo da polícia do que dos bandidos . Ativistas em outros estados elogiaram a ação do governador Mendes e pediram seu conselho sobre como poderiam dispersar a polícia em seus estados de origem. Histórias de arrepiar a polícia e a corrupção na justiça aumentam o medo e o desespero que os cidadãos costumam sofrer como vítimas ou suspeitos de crimes. Os casos podem levar anos para chegar a julgamento e os juízes às vezes têm acúmulos de dezenas de milhares de casos. A maioria dos crimes, porém, nem é investigada, muito menos levada a julgamento. Raul aponta fatores históricos que fomentaram a ineficiência, a corrupção e os abusos dos direitos humanos nas últimas décadas. Ele observa, por exemplo, que as polícias militares estaduais foram criadas durante o período da ditadura principalmente para reprimir distúrbios políticos. Apesar do nome, os policiais militares não pertencem às Forças Armadas, mas servem aos seus respectivos governadores. A polícia civil, responsável pela investigação de crimes, atende ao judiciário. O judiciário, que silenciou sobre crimes do Estado em troca de maiores salários e carros, usou a polícia civil para informar sobre possíveis dissidentes políticos. Com o fim da repressão política na década de 1980, os segmentos executivo e judiciário da aplicação da lei divergiram, e a lacuna deu origem à territorialidade, ou o que Raul chama de corporativismo, com alguns juízes e chefes de polícia cindindo territórios de poder. Algumas batalhas eclodiram entre a polícia civil e militar. E ambos os grupos reclamam que os juízes, com sua recente independência e poder para decidir casos, muitas vezes deixam os criminosos irem em liberdade sob leis que perdoam os infratores primários. A justiça e a segurança verdadeiras também são prejudicadas pela burocracia e pelos baixos níveis de suporte material e tecnológico . Os criminosos não ocupam posição de destaque na maioria das listas de prioridades do orçamento nacional ou estadual, e a frustração promove uma atitude entre muitos brasileiros de que a única maneira de resolver o crime é matando suspeitos ou mesmo possíveis futuros suspeitos. O Brasil tem uma indústria considerável de computadores, mas os órgãos de segurança pública e judiciários continuam presos aos meios mais rudimentares de perseguir suspeitos, investigar casos, processar datas e manter registros. A aglomeração de cadeias e prisões agrava o histórico muito criticado do Brasil sobre abusos de direitos humanos cometidos pela polícia e carcereiros. Raul teme que a recessão atrase ainda mais a modernização do setor. Olhando para além do Brasil, Raul vê questões semelhantes na maior parte da América Latina como uma ameaça às democracias emergentes. Esforços anteriores para corrigir o sistema de justiça brasileiro tiveram pouco impacto porque não conseguiram resolver a decadência sistêmica e incorporar as massas pobres de onde vêm as maiores vítimas de crimes e suspeitos.
Raul propõe trabalhar em nível local de uma forma nunca antes experimentada no Brasil. Tem três grandes objetivos: auxiliar as organizações não governamentais que atuam com populações socialmente marginalizadas, a desenvolver propostas, estudos e tecnologias de segurança e justiça destinadas ao poder público e à sociedade civil; unir informações, pessoas, movimentos e ideias para estimular a consciência da cidadania e dos direitos básicos. Especificamente, Raul quer estabelecer patrulhas de segurança de bairro e equipes preventivas para lidar com problemas crônicos, como violência doméstica e uso de drogas. A esperança é que o controle local sobre a aplicação da lei, em nível municipal e não estadual, capacite os cidadãos a exigir uma força policial local responsiva. Ele também planeja iniciar uma federação de prisioneiros e suas famílias, que podem trabalhar para garantir uma prisão melhor condições e liberação oportuna de prisioneiros que cumpriram suas penas. Os grupos de vigilância locais podem acompanhar os procedimentos legais individuais, desde a prisão até a resolução, para garantir que os direitos dos suspeitos sejam respeitados. Uma campanha “Violência Zero” pode ser instituída entre esses grupos com a ajuda das prefeituras, que iniciarão pesquisas sobre a violência na área. As ONGs podem encontrar muitas oportunidades para ajudar nesses esforços. São meios para que o povo brasileiro passe a ter controle sobre o sistema de justiça e segurança que afeta vitalmente suas vidas, mas sobre o qual não exerceu sua vontade. Em uma escala maior, Raul pretende fornecer informações confiáveis sobre o sistema atual, como atualmente indisponíveis relatórios do censo prisional, para promover o debate municipal e nacional sobre o assunto. Raul iniciou as bases para tal organização em seu estado natal, Pernambuco, e planeja estender a rede eventualmente por todo o Brasil, sempre trabalhando para conscientizar e envolver em nível local.