Carlos Roberto dos Santos é um soldado que viu como o enorme sistema militar brasileiro poderia ser mobilizado para ajudar milhões de crianças de rua sem-teto.
Quando Carlos tinha apenas nove meses, sua mãe morreu. Seu pai, incapaz de criar os quatro filhos, pediu a uma mulher do bairro que tomasse e criasse Carlos. Mas a mulher, que tinha sete filhos, entregou Carlos à FUNABEM. Carlos passou toda a sua infância, de um a dezesseis anos, na FUNABEM. Durante esse tempo, ele foi arrastado por 12 orfanatos diferentes em três estados brasileiros. "Eu tentei fugir muito", lembra Carlos. “E quando eu tinha nove anos consegui escapar, e vivi um ano e meio como menino de rua em Copacabana, principalmente na estação do Rio. Não me envolvi em crime grave, mas tive para roubar dinheiro para comprar comida. ”As autoridades juvenis acabaram pegando-o e devolvendo-o à FUNABEM, onde deu meia-volta e se tornou um aluno exemplar. Embora tenha terminado os estudos, descobriu ao se formar que “se você já passou algum tempo na FUNABEM, ninguém vai te contratar. Acham que você é um delinquente”. Alistou-se na Aeronáutica e em 1980 foi nomeado sargento. “Achei que, se comecei com tantos problemas e pudesse ir tão longe, deveria ser capaz de fazer algo por crianças carentes que não têm esperança a não ser a FUNABEM ou a rua.” Em 1980, Carlos e outro oficial da Força Aérea começaram a fazer discursos na comunidade sobre o que ele chama de "outro lado" do problema da FUNABEM. “As pessoas têm a impressão de que todos os garotos da FUNABEM são criminosos, que nunca farão nada de bom”, diz Carlos. "Queria mostrar o outro lado da imagem, mostrar que essas crianças são enérgicas, gostam de participar de projetos, gostam de esportes, são adolescentes normais. Então, por que não dar a elas uma chance de um emprego de verdade?" Dessas origens modestas, Carlos Roberto Dos Santos lançou o Programa Pró Menor.
Apesar do fato de que o Brasil provavelmente nunca vai lutar uma guerra e agora tem um governo civil firmemente no controle, ainda tem um estabelecimento militar muito grande com dezenas de milhares de homens subutilizados em bases por todo o país. Muitas dessas bases estão em áreas onde há concentração de pobreza e são abundantes as crianças de rua. A ideia simples de Carlos é utilizar as bases e suas dependências, além de militares voluntários, para proporcionar às crianças alimentação, educação, atividades esportivas organizadas, aconselhamento e formação profissional. Em última análise, o programa Pro Menor de Carlos ajudará as crianças a encontrar empregos e se tornarem membros produtivos da sociedade. Também está ajudando os soldados e suas famílias a irem além dos estereótipos negativos e colocar a questão das crianças de rua em primeiro plano.
O problema é a pobreza. E uma de suas manifestações mais brutais são os milhões de meninos de rua, alguns inteiramente abandonados, que vivem nas ruas e sobrevivem engraxando sapatos, fazendo recados, mendigando, prostituindo, roubando ou vendendo drogas. Além de tornarem as ruas inseguras, as crianças costumam sofrer de desnutrição, doenças, hostilidade da maioria dos adultos e violência. Os sobreviventes chegam à idade adulta com pouco treinamento, educação ou meios de se sustentar, a não ser com o que aprenderam na rua. É um círculo vicioso. O Brasil é pobre e não pode destinar recursos adequados para o combate ao problema. A principal instituição governamental que tenta lidar com crianças de rua é a FUNABEM, que lida com crianças órfãs, desfavorecidas e delinquentes. Seus recursos, entretanto, são limitados. E as crianças que foram internadas na FUNABEM e concluíram seus estudos muitas vezes descobrem que o estigma de ter sido uma criança da FUNABEM permanece com elas para o resto de suas vidas e dificulta até mesmo encontrar empregos. O Pro Menor visa mobilizar enormes recursos subutilizados que já existem em todo o país e contam com voluntários treinados e dispostos. Atrai as crianças e as mantém no programa por causa do senso de participação que proporciona. As refeições e os esportes organizados são importantes, mas também o sentimento de pertencer a algo poderoso e respeitado, a disciplina e o senso de propósito e, acima de tudo, o sentimento de que seus integrantes podem ser alguém. Finalmente, o graduado da Pro Menor é ajudado a encontrar um emprego, sem estigma associado.
O primeiro passo crucial de Carlos foi persuadir seu comandante militar na Base Aérea do Galeão, no Rio, a permitir que ele usasse a base e seus recursos para pilotar o programa Pro Menor. Depois que o programa começou a funcionar com sucesso e atraiu um número crescente de crianças e voluntários, ele criou seu próprio impulso. Funcionários do governo mostraram interesse e o esforço ganhou considerável atenção local. Carlos levou o Pro Menor ao ministro da Aeronáutica do Brasil, que, persuadido de sua importância, autorizou a replicação de programas semelhantes em bases de todo o país. Hoje, a partir de programas bem-sucedidos em seis unidades em seis cidades diferentes (cada uma com média de 170 crianças entre dez e dezessete anos), Carlos intensificou seus esforços para expandir o programa a outros ramos das forças armadas. Ele também começou a trabalhar com a polícia do Rio e a Universidade Federal do Rio, que têm recursos físicos e voluntários para implantar programas Pro Menor de sucesso. O recrutamento da polícia é uma iniciativa especialmente importante, uma vez que um programa bem-sucedido pode fornecer uma maneira diferente para a polícia lidar com crianças de rua, ao mesmo tempo que melhora a percepção do público sobre a polícia. Claramente, contando com as forças armadas, polícia e universidades, o potencial pois a replicação é enorme. Essas instituições são encontradas em todo o país e têm os recursos físicos e voluntários em potencial para garantir o sucesso dos programas. Essa é a estratégia institucional. A outra parte da equação envolve fazer com que as crianças voluntariamente venham para o Pro Menor e permaneçam no programa. Carlos cita o exemplo de Sergio Bernardes, um menino de rua que morava na calçada do lado de fora da estação ferroviária do Rio, onde o próprio Carlos costumava passear. Criança pobre, negra, sem família, analfabeta e com forte gagueira, Sergio foi abordado por voluntários de uma organização religiosa que trabalha com meninos de rua. Eles o convenceram a participar do programa diurno de Carlos. Ninguém sabe se foi a promessa de algumas refeições decentes por dia ou a chance de aprender algumas habilidades comerciais ou talvez os esportes que convenceram Sergio a tentar. Mas ele passou dois anos na base da Força Aérea, aprendendo habilidades básicas de leitura e carpintaria. Hoje, por causa dessa experiência, ele trabalha como aprendiz de carpinteiro em uma construtora do Rio e economizou dinheiro suficiente para comprar um pequeno barraco em uma favela no centro da cidade. Ele ganha dois salários mínimos, ou cerca de US $ 150 por mês, e continua estudando. “Sergio está com dezoito anos e se integrou totalmente à sociedade”, diz Carlos com orgulho justificável.