Alzira dos Santos Rufino, trabalhadora de um centro cultural de mulheres negras que criou na cidade portuária de Santos (SP), está demonstrando como as comunidades negras podem se unir e construir uma base econômica totalmente independente. Ela então usa essa unidade com poder para desenvolver consciência, confiança e habilidades na comunidade negra e para pressionar com eficácia por mudanças nas políticas públicas.
Alzira dos Santos Rufino corajosamente percorreu muitos caminhos para alcançar o empoderamento que marca sua vida como ativista. Aos doze anos, ela começou a trabalhar como empregada doméstica, diarista separando grãos de café e vendedora de peixes no mercado. Ela também foi à escola, onde se destacou. Embora fosse uma das poucas alunas negras, ela organizou seus colegas de classe para publicar um jornal regular. Ela organizou um protesto contra as provas em curto prazo, que eram difíceis para alunos como ela, que tinham que trabalhar. O diretor da escola então disse a ela que ela era uma líder e que teria que decidir se usaria essa qualidade para o bem ou para o mal. Após longos anos de estudos, ela conseguiu uma licença em enfermagem, profissão que manteve por dezesseis anos. Na década de 1970, antes de voltar para Santos, Alzira estudou e exerceu a enfermagem em São Paulo. Mesmo sendo esses os anos de regime militar em que a organização sindical era, para dizer o mínimo, desestimulada, ela construiu um sindicato de enfermeiras nos hospitais de São Paulo. As dificuldades que ela encontrou como mulher negra na força de trabalho alimentaram seu compromisso em enfrentar o racismo de frente. Ativista de longa data, Alzira foi membro fundadora e coordenadora de um coletivo de mulheres negras em Santos. Nessa função, ela trabalhou com representantes de vereadores na aprovação de legislação anti-racismo e colaborou com a Universidade Católica de Santos na produção de pesquisas históricas inovadoras sobre as contribuições das mulheres negras para a economia da cidade. Ela também representou o coletivo em várias conferências nacionais onde falou sobre uma série de questões, incluindo saúde e direitos civis. Em 1989, coordenou o I Encontro de Mulheres Negras de Santos. Além do trabalho no centro cultural, Alzira publicou diversos artigos e elaborou cartilhas de educação popular sobre questões femininas e raciais. Ela conduziu extensas entrevistas na imprensa e publicou um livro intitulado, I, Black Woman, Resist em 1988. Ela também escreveu alguma literatura infantil.
O centro cultural de Alzira é a base de uma ampla coalizão de afro-brasileiros que buscam mudar seu status na sociedade. Aberto a todos, apesar de sua preocupação especial com as mulheres negras, ele foi projetado para tornar mais fácil para a comunidade se reunir sem gerar facções. O centro fornece uma série de serviços diretos destinados a (1) construir a identidade, orgulho e unidade afro-brasileira e encorajar a consciência e compreensão cultural; (2) dar aos membros da comunidade habilidades; e (3) educá-los sobre seus direitos legais e como lutar por eles. O centro hospeda uma série de seminários de orientação afro, discussões e eventos culturais e artísticos. Também abriga um restaurante afro-brasileiro. Se Alzira e seu centro podem fazer tanta diferença em um grande município como Santos, uma organização em linhas semelhantes em uma centena de outras cidades poderia criar uma onda poderosa em todo o país.
Dois terços da força de trabalho feminina negra são empregadas domésticas, refletindo o impacto cumulativo da escravidão, os estereótipos generalizados de inferioridade aceitos por euro e afro-brasileiros, analfabetismo funcional, falta de acesso até mesmo à educação profissional, uma série de políticas discriminatórias, e pouca ou nenhuma organização. Todas essas influências se reforçam mutuamente, tornando o problema mais difícil de resolver e tornando essencial uma abordagem integrada para desvendar essa teia.
Com sua miríade de serviços e programas, o centro oferece cursos de alfabetização, habilidades de secretariado e cabeleireiro, bem como cursos de treinamento em línguas estrangeiras. O programa de treinamento de habilidades do centro é projetado para permitir que as mulheres negras ingressem em novas áreas, principalmente para ir além do serviço doméstico. Os cursos fazem parte de uma estratégia mais ampla que visa aumentar a autoestima das mulheres negras e estimular sua criatividade e intelecto. Alzira também está iniciando um serviço agressivo de assistência jurídica que oferecerá aconselhamento jurídico gratuito a mulheres negras que, de outra forma, não teriam acesso a representação legal. A equipe de advogados que ela reuniu também oferece workshops sobre os direitos legais e civis das mulheres negras e está em busca de casos que abram precedentes para levar aos tribunais. Na mesma linha, Alzira está trabalhando com as novas delegacias da mulher no Estado de São Paulo para desenvolver mecanismos para melhor atender as mulheres vítimas de violência doméstica, abuso sexual e discriminação racial. Alzira e seu centro têm um segundo - e ainda mais importante - conjunto de objetivos: pressionar a cidade, o estado e os processos políticos nacionais por uma série de mudanças jurídicas e políticas concretas que abrirão empregos e outras oportunidades importantes para os afro-americanos. Brasileiros. Por ser amplamente representativa e dura, mas razoável, ela já levou várias resoluções importantes à Câmara Municipal de Santos. Às vezes, esse trabalho é muito técnico e aparentemente modesto. Por exemplo, ela agora está tentando reverter a prática existente de manutenção de registros hospitalares para incluir uma categoria racial para que os padrões de necessidades especiais possam ser mais prontamente observados e o tratamento desigual se torne aparente. Como Alzira aponta, "Não podemos pressionar o município por uma mudança após a outra e também esperar por ele o nosso financiamento." Portanto, ela tem trabalhado para desenvolver uma série de componentes lucrativos, mas programaticamente confortáveis. O centro, por exemplo, também abriga um restaurante que serve comida tradicional africana. Além disso, funciona como espaço para exposição de obras de artistas negros brasileiros. Em ambos os casos, Alzira não só atende de forma criativa às demandas financeiras de manutenção do centro, mas também trabalha para validar a cultura e as tradições de seu povo. O centro também vende alguns dos produtos para alunos que estão aprendendo habilidades vocacionais. Alzira planeja replicar essa estratégia de geração de renda em outros centros que está estabelecendo no estado de São Paulo e além. Alzira está em um ponto de inflexão. Ela ainda tem décadas de trabalho pela frente em Santos, mas sente que sua abordagem é necessária em dezenas de outros municípios em todo o país - e que de muitas maneiras o que ela pode fazer em Santos, ou o que outra pessoa pode fazer em outro cidade, dependerá da pressão por mudanças em muitas cidades. Em outras palavras, é hora de ela espalhar o que aprendeu em outro lugar.